só para iniciados. crises e cricris. neologismos e estrangeirismos. veneninho de canto de boca. xujo, malvado, bronco e de grande coração! escrevam também, email ali embaixo, à esquerda. enjoy!
isso foi escrito há mais de ano. foi uma tentativa de começar a escrever algo baseado (apenas baseado) em minhas experiências e que, de alguma forma, pudesse vir a ser um conto, uma estória... não foi, porque tudo sempre muda. (claro que está verborrágico, repetitivo, clichê. mas isso não me incomoda. porque as coisas são, mesmo, assim. martelam, sempre. o ideal na literatura é nos tirar dessa realidade, dessa 'normalidade'. não foi o que fiz, prossigamos)
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Ahora
Um homem louco. Transformara-se nisto, num homem louco. Lembrava de ter ido à casa de uma amiga, ali por perto, muito mais vezes do que na realidade lá estivera (duas ou três, no máximo). Era difícil se concentrar em números e vezes, como o número de vezes que estivera na casa da amiga, ali perto. Pensava ser isto uma consequência do uso desenfreado de entorpecentes, mas ao mesmo tempo levava em consideração a tristeza constante com que havia convivido até então (e homem nenhum resiste intacto a grandes períodos de tristeza). A consciência da loucura viera há pouco, de maneira desenfreada e abrupta. Paralisou parte de seu corpo (indefinível qual) e transformou definitivamente parte de sua consciência e percepção da realidade (para sempre). Sentia que era irrevogável. E sentia o peso do tempo (segundos, minutos, horas... e seus pesados círculos que, derrubados, tombam pelo ar), com total consciência da loucura mas sem meios de lutar: paciência. Já ouvira milhares de vezes que o verdadeiro louco não teme a loucura, que sequer sabe quando ela está chegando. Mas ele sempre soubera. Sempre sentira que um dia ficaria louco, um dia como esse, pelo qual estava passando. Um dia que não acabava nunca. Pela manhã acordara com uma pesada e estranha dor de cabeça. Era uma dor num local bizarro do crânio, mais especificamente em cima da cabeça, exatamente em cima. Era como se uma broca tentasse ultrapassar a barreira de cabelos, couro e osso, almejando chegar no meio do cérebro, exatamente no meio. Era uma dor inenarrável, mas que para ele deixava claro que a loucura chegara; finalmente (pois era um alívio, dado que desde recordava já sabia que ela viria, uma hora ou outra). Não tinha mais fome. Há três dias não comia e continuava sem fome. Pensar em comida lhe causava náuseas, lhe aumentava a intensidade da bizarra dor na cabeça. Continuava ingerindo líquidos, gelados de preferência, mas a água, substância divina da qual bebia copos e copos todos os dias, lhe estava provocando irritantes soluços. Há três dias (setenta e duas horas). Os cigarros também estavam a ponto de ser abolidos de sua já esquálida dieta. Também causavam-lhe náuseas, soluços e tanto o cheiro quanto o gosto haviam se tornado insuportáveis. Qualquer fosse a marca, o filtro, o preço. Que vida havia de ser essa, ora pois? Ficava difícil encontrar um lugarzinho qualquer para encaixar qualquer rastro de felicidade. A loucura estava ocupando todos os buracos. Parecia que ela ia poupar somente a consciência, para lhe deixar bem claro que um estado insano tomara conta de tudo, de tudo. Relembrar alguns pensamentos que no passado já faziam com que pensasse se aquilo era de fato um começo de loucura pode ajudar na total descrição – e total conhecimento – deste homem, de interessantíssima personalidade, causadora de infindáveis questionamentos. Pensava assim de si mesmo e de seus atos de loucura, o homem. Não costumava lembrar-se bem de seus sonhos. Por vezes sequer lembrava de qualquer um deles, ao acordar. Mas quando os pesadelos e delírios noturnos lhe martelavam a cabeça durante a manhã, era porque lembrava-se de acontecimentos com pessoas que conhecia, durante os sonhos, e temia que algum transtorno surreal pudesse ter caráter premonitório na realidade, sua realidade. O mundo em que vivemos, aqui, hoje, agora. As fortes impressões que lhe acometiam sempre, como que eternamente, mas respingadas ao longo dos anos, não lhe saíam da memória nunca, pensava. E tornavam-no um homem impressionável, abalado por fendas que para sempre marcariam seu passado, fazendo dele uma régua, reta, marcada. Uma fita métrica, estirada no chão. Impressionara-se muito com as mortes que lhe chegaram perto, como a da irmã. E ao mesmo tempo impressionava-se com frases ou imagens, relacionadas a sexo e obscenidades, mas que de maneira igual lhe marcavam o passado. Era uma impressão que de certa forma ia de encontro a costumes, morais, parâmetros e critérios e paradigmas enraizados no peito, naquele ponto central do peito onde se aloja a culpa dos cristãos. O protestantismo branco da província (...)